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domingo, 4 de abril de 2010

A melancia sem caroço


Em um país não muito distante, uma importante empresa lançou um produto inovador: uma semente de melancia que produzia frutas que além de não terem os incômodos caroços, tinham todas o tamanho apropriado para serem armazenadas em refrigeradores domésticos, além de uma doçura de se admirar. Tais sementes eram distribuídas de graça aos agricultores - que ficaram impressionados pelo novo produto - pois além das características acima, dispensava o uso de agrotóxicos (ou defensivos agrícolas, como querem uns) nas lavouras, elevando a produtividade a índices sem precedentes. Era perfeito!

Tal novidade tecnológica espalhou-se como fogo em palha: em pouco tempo ninguém mais plantava a melancia tradicional. O mesmo aconteceu com o mercado: por quê comprar a melancia tradicional, disforme, não padronizada, contendo os inconvenientes caroços e ainda correr o risco do sabor não ser adequado?

A aceitação do produto foi tanta que a generosa empresa, detentora da patente e que antes oferecia as sementes gratuitamente, se viu obrigada a cobrar por elas. Inicialmente, uma pequena taxa; passado algum tempo, um preço um pouco maior. Como a lei da oferta e da procura é a que rege o mercado e como quem detém a tecnologia detém o poder, ocorreu o inevitável (ou mera repetição de fenômeno histórico): os preços não pararam de subir; a tal ponto que, se no início bastava um quilo de melancia para pagar por cem quilos de sementes, agora, setenta quilos eram necessários: evaporaram-se os lucros do agricultor, que, além de tudo, tinha que arcar com os riscos da lavoura e o pagamento de todos os impostos. Na prática, a empresa tornou-se proprietária das terras, levando os bônus, sem ter que arcar com os ônus.

O conhecimento tradicional, geralmente ignorado pela ciência, vem desenvolvendo e aperfeiçoando espécies de cultivares há milênios. Assim, a soja hoje cultivada em nossos campos, por exemplo, já passou por sucessivos processos de melhoria. As sementes vão sendo aperfeiçoadas e passam de geração para geração. Quando alguém introduz um novo gen em uma dessas espécies, é lícito o seu patenteamento, ignorando toda a informação genética ali disposta pelo conhecimento tradicional desde tempos imemoriais? Além disto, quando introduzimos um gen em uma espécie, a mesma modifica o seu metabolismo de forma a acomodar a mudança ali artificialmente introduzida. Portanto, não é lícito patentearmos o ser vivo, já que não criamos vida; ao contrário, o ser vivo é quem se adapta às modificações nele introduzidas.

Pode a realidade imitar a ficção? É claro que sim! Esta é a questão que trazemos à tona: muito se fala dos possíveis impactos na saúde e no meio ambiente que poderiam surgir a partir do uso dos transgênicos; pouco se discute, no entanto, sob o ponto de vista social.

Não queremos com isto, no entanto, marcar posição contrária: estamos seguros de que a tecnologia genética veio para ficar, devendo ainda protagonizar descobertas que elevarão a qualidade de vida da espécie humana a patamares impensáveis nos dias de hoje. Como toda novidade, no entanto, deve ser introduzida com cautela. Nunca é demais olharmos para a questão de forma multifacetada, para que não tenhamos arrependimentos futuros. É sempre bom lembrar que o desenvolvimento tecnológico, com todas as vantagens que trás, costuma ter a exclusão social como companheira. Haja vista os dados recentemente divulgados pela imprensa, que dão conta de que, no período de 1990 a 2001, o uso de novas tecnologias teria eliminado em torno de 10,8 milhões de empregos no Brasil. A medicina também nos dá exemplos ilustrativos: cada vez mais aumenta o nível de sofisticação tecnológica; hoje contamos com Ressonâncias Magnéticas e Tomografias Computadorizadas, mas, para quem? A medicina-arte está perdendo espaço para a medicina-tecnológica. Muito bom, para os que podem pagar. Precisa ser assim?



* PAULO TEIXEIRA é pró-Reitor de Pesquisa da Universidade Federal de Mato Grosso (UFMT)

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